quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A propósito... de manchete do OESP

A propósito... da declaração de Roberto Jefferson, publicada n'O Estado de São Paulo de hoje, 10 de Outubro de 2012, sob o seguinte título:

"Condenado, Roberto Jefferson diz agora estar 'no mesmo barco' que Dirceu"

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,condenado-roberto-jefferson-diz-agora-estar-no-mesmo-barco-de-dirceu,943272,0.htm



Como assim, "no mesmo barco"? Quem esse Jefferson pensa que é?

Jefferson, seguindo sua vocação e sua ambição por notoriedade, começou sendo "advogado dos pobres", algo parecido com Russomano porém sem a marca "bonzinho". De fato Jefferson criou um quadro na antiga TVS, atual SBT, em que, do alto de seus 170kg e armado, bradava impropérios ajudando assim a estabelecer um "jornalismo" questionável, para dizer o mínimo. Veio a notoriedade e, em 1983, elegeu-se através de sua fama a Deputado Federal pelo PDT. Mas a grande projeção só viria em 1992, quando resolveu apoiar-se na também questionável notoriedade que ganhava Collor de Melo, em vias de ser defenestrado da Presidência da República pelo clamor popular. Perdeu Collor, perdeu Jefferson, bradando agora contra os petistas: "Demônios!". Apesar disso, infiltrou-se e passou a apoiar o governo de Lula. Ah, a velha ambição da fama, o velho método de tentar obte-la pela aproximação de quem legitimamente a obtém. E o mais que conhecido impulso de Lula, de aceitar apoio venha de onde vier...

Os envolvimentos de Jefferson com a bandidagem, tirando a fase em que foi apresentador de TV que lidava justamente com ela, data de 1993. Já nesse tempo Jefferson era citado como envolvido no esquema de corrupção política chamado de "CPI do Orçamento". Muitos outros envolvimentos desse tipo têm acompanhado a carreira de Jefferson, e um dos mais nefastos veio com um vídeo, em 2005. Nesse episódio o advogado Joel Santos Filho soube por um amigo, o empresário Arthur Wascheck Neto, das dificuldades que o funcionário dos Correios Maurício Marinho criava à participação nas licitações daquela empresa, para depois vender facilidades. Joel procurou os Correio munido de uma câmera escondida e gravou, de Marinho, não só a descrição do funcionamento de "esquema" como o nome de seu gestor: Roberto Jefferson. O vídeo repercutiu na mídia e acabou determinando a criação de uma CPMI, presidida pelo petista Delcídio Amaral. A CPMI cassou o mandato de Jefferson, em 2005.

Acuado, inconformado com a falta de apoio do PT, Jefferson lembrou-se, então, de que havia, sim, uma forma de pelo menos tentar se vingar do PT: é que ele vinha mantendo encontros com José Dirceu, também do PT e na ocasião Chefe da Casa Civil da Presidência da República, em companhia do empresário Marcos Valério, que havia montado, gerido e feito prosperar em 1998, no governo FHC portanto, um esquema de propina que foi chamado de "Valerioduto", que foi abastecido pelo empresário Daniel Dantas usando recursos públicos da CEMIG e privados, do Banco Opportunity, que foram afastados estrategicamente depois da descoberta pelo Ministério Público do que veio a ser chamado de "Mensalão do PSDB", e que vinha sendo abastecido pelo PT, através de Delúbio Soares, seu tesoureiro. Jefferson, que já não tinha salvação, vingou-se delatando Dirceu. Bem, nada mais Jefferson que isso: notoriedade através da proximidade com quem a tem legitimamente.

O fim dessa história, já sabemos: O STF não quis nem saber de apurar quem fez o que, quando, como, e porque. Criando jurisprudência de julgar através de provas de valor no mínimo questionável, condenou todo mundo, indiscriminadamente.

Ah! Jefferson é aposentado pela Câmara dos deputados desde 2005. Recebe, desde então, proventos pelos "serviços que prestou à pátria". E que serviços, hein? Este é Jefferson.

E Dirceu, quem é?

José Dirceu veio para São Paulo, saído da pequena cidade mineira de Passa-Quatro, para estudar Direito na PUC, em 1965, seguindo assim sua vocação pela Justiça e pela manutenção das instituições democráticas. Nessa época, ainda não estava tão claro que o Golpe Militar, dado no ano anterior, acabaria se tornando no monstro de garras assassinas, usurpador das liberdades civis e censor de toda expressão alternativa à dele que efetivamente se tornou. Dirceu, então, elegeu-se primeiro vice-presidente do DCE da PUC e, em seguida, presidente da UNE, e nesses cargos protestou veementemente contra a ditadura de direita que se impunha e crescia.

Em 1968 Dirceu foi capturado e preso pelos ditadores por protestar contra a ditadura, e foi libertado no ano seguinte, em troca da libertação do embaixador dos EUA no Brasil Charles Burke Elbrick, junto com 14 outros jovens que haviam sido presos pela mesma razão que ele. Esses 15 jovens foram, então, deportados do sua própria pátria, levados para fora do país pela FAB. Dirceu foi para Cuba, onde continuou seus estudos e trabalhou.

Em 1971 Dirceu voltou ao Brasil clandestinamente, instalando-se em pequena cidade do Nordeste, onde continuou trabalhando. E em 1975 voltou à Cuba para, em busca de nova identidade, fazer uma cirurgia plástica e obter novos documentos, em que adotou o nome de "Carlos Henrique Gouveia de Mello". Obtida a nova identidade, Dirceu voltou ao Brasil e indo morar em Cruzeiro do Oeste, interior do Paraná, onde casou-se com Clara Becker, de quem escondeu sua verdadeira identidade para não incriminá-la. Trabalhou e observou o desenrolar dos acontecimentos políticos até 1979, quando da instituição da Lei de Anistia. Nesse ano Dirceu voltou a Cuba, desfez-se da cirurgia e dos documentos falsos e retornou ao Brasil, onde passou a participar das atividades políticas que acabaram se desenvolvendo na criação do PT.

Por essa legenda, em 1986 elegeu-se Deputado Estadual, quando se notabilizou pela oposição que fez ao governados Orestes Quércia, que viria a ser seguidamente acusado de corrupção e enriquecimento ilícito tanto quando esteve à frente do governo paulista quanto quando foi prefeito de Campinas.

Em 1992, ao lado do Senador Eduardo Suplicy, também do PT, no mandato de Deputado Federal Dirceu criou a CPI que acabaria no impeachment do então presidente Collor. Sim, o mesmo Collor a que Jefferson, o sedento por notoriedade, defendeu em vão: as provas de corrupção contra Collor foram irrefutáveis, tanto do ponto de vista legal quanto pelo clamor popular.

Em 1995 Dirceu elegeu-se Presidente do PT, vitória essa que se repetiria nas eleições de 1997 e de 2001, em votação direta por filliados ao PT. Dirceu presidiu o partido desde a primeira eleição com sabedoria e rigor: qualquer menção a esquemas ilícitos era repudiada com tal energia que causava até constrangimento a quem, de leve que fosse, fazia tal menção. E mesmo com esse rigor mas com a mesma sabedoria - ou em função disso - Dirceu só fez aumentar sua base de apoio no partido.

Em 2003, Lula é eleito Presidente da República e convida Dirceu a assumir as funções de articulador político, encarregado de buscar apoio ao governo entre outros partidos, entre outras funções administrativas, atividades essas sob o cargo de Chefe da Casa Civil.

Em 2006 pede afastamento do cargo para não atrapalhar as investigações sobre as denúncias de Jefferson, feitas no ano anterior, acreditando que, feitas essas investigações, voltaria ao cargo que ocupava. Mais ou menos como houvera feito antes, quando transferiu-se do Brasil para Cuba até que pudesse voltar ao Brasil. Dirceu, nessa época, já tinha tido seu mandato de Deputado Federal - do qual estava licenciado desde que tinha assumido a Casa Civil - numa reunião presidida pelo então Deputado Júlio Delgado que, por sua vez, traindo a confiança de 70% dos eleitores de sua base leitoral, em Juiz de Fora, declarou apoio a Geraldo Alckmin no segundo turno das eleições de 2006. A reunião em que Dirceu teve seu mandato cassado aconteceu à meia-noite do dia 1º de Dezembro de 2005, uma Quinta-Feira anterior à Sexta-Feira, dia da semana em que os parlamentares saem de Brasília para voltarem às suas respectivas casa, em seus estados de origem.

O fim dessa história também sabemos: O STF julga e condena Dirceu pelo esquema "denunciado" por Jefferson.

Ah! Dirceu tem vivido de palestras e consultorias que presta a empresas e universidades no Brasil e no exterior, o que lhe propicia algum ganho financeiro e uma enorme satisfação pela expressão que dá à sua vocação pela Justiça e pela manutenção das instituições democráticas.






Talvez seja essa a coincidência: condenações pelo STF. E o OESP traz a público a declaração de Jefferson, tentando se colocar "no mesmo barco" que Dirceu. Nada mais Jefferson do que buscar notoriedade através da proximidade com quem a tem por si, por sua vida e se trabalho. Legitimamente.

Mas não concordo com Jefferson. Do meu humilde ponto de vista há, no rio da política, pelo menos dois barcos, bem distintos e com passageiros e tripulações muito diferentes. Se Dirceu está em um, Jefferson está em outro, bem distinto.

 

Escreverei a propósito dessas e de outras questões num outro post...